Em 1986, no governo do Sr. Reagan, começaram as investidas ditas
diplomáticas, dos Estados Unidos, no sentido de garantir aos países
industrializados, os recursos naturais não renováveis do planeta, existentes nos
países pobres. Já em 1977, o então Secretário de Estado, Henry Kissinger,
alertava que os países ricos não poderiam mais viver sem esses recursos e teriam
de montar um esquema para dominá-los. O tema é abordado pelo Presidente da
Aepet, engenheiro Fernando Siqueira, que alerta sobre a quebra do monopólio do
petróleo e o desmonte da Petrobrás.
A partir
dessa declaração, iniciou-se uma campanha de aprofundamento da globalização
neoliberal visando, entre outros, esses objetivos. De 1977 a 85, as negociações
do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comercio) priorizaram a discussão desse
objeto. Os países industrializados tentavam convencer os detentores dos recursos
não renováveis a cedê-los para eles em condições inaceitáveis. A tônica era a
cessão dos recursos a preços de custo de extração e transporte. Não se chegou a
qualquer acordo.
Em 1986, sob o comando do presidente americano, Ronald Reagan, iniciou-se em
Punta del Este, uma rodada de negociações chamada "Rodada Uruguai". A razão da
convocação era a não concordância dos proprietários dos recursos com as
propostas indecorosas dos países desenvolvidos, gerando o impasse. Também estas
negociações se arrastaram sem conclusão. Entretanto, EUA, Japão e União Européia
introduziam diretrizes, sub-repticiamente, no decorrer das negociações e
pressionavam os países-alvo a assinar. Essas diretrizes eram os fundamentos da
doutrina neoliberal: desregulamentações (mudanças das constituições, das leis
trabalhistas, ambientais), privatizações, direitos de propriedade e outros.
A Rodada Uruguai continuou em Genebra e foi concluída em 1994, no Marrocos,
com a fundação da Organização Mundial do Comércio, a mais poderosa organização
de defesa dos interesses dos países desenvolvidos jamais criada, suplantando o
FMI e o Banco Mundial.
Em 1989, já havendo grande parte das diretrizes empurradas goela abaixo dos
países em desenvolvimento, o governo Reagan convocou os países latino-americanos
para uma reunião em Washington, onde foram pressionados a implantar de imediato
tais diretrizes, como acertadas pela Rodada Uruguai. Essa reunião recebeu o nome
de "Consenso de Washington" e foi coordenada pelo seu mentor intelectual, John
Wylliamson. Assim, o Plano Collor foi todo elaborado em cima dessas premissas.
Entre outras coisas, o plano previa uma Política Industrial onde o estado sairia
das atividades produtivas, deixando-as para o setor privado. O governo Collor
chegou a enviar para o Congresso o chamado "emendão" que previa, entre outras
coisas, a privatização da Petrobrás.
Com a queda de Collor, o presidente Itamar Franco interrompeu o processo a
duras penas, tendo enviado ao Congresso funcionários das estatais para subsidiar
os parlamentares com dados sérios que os fizeram cancelar a revisão
constitucional inventada pelo bloco de deputados e senadores, patrocinados pelo
capital multinacional, denominado Centrão. O objetivo desse grupo era adaptar a
Constituição aos ditames do Consenso de Washington.
FHC retoma
Em 1995, o governo Fernando Henrique retoma integralmente as diretrizes do
Consenso de Washington, conforme declaração do seu então correligionário e amigo
Tasso Jereissati, na Folha de São Paulo de 28/8/99. Assim, como primeiro ato
junto ao Congresso Nacional, FHC enviou o projeto de emenda Constitucional onde
mudaria 5 itens da ordem econômica - que dilaceraram a soberania nacional -
usando todos os meios ilícitos para aprovar esse pacote.
Dessa forma, mudou o conceito de Empresa Nacional, igualando empresas
nacionais e estrangeiras, o que escancarou o subsolo nacional para as últimas,
que ganharam o direito de explorá-lo, detendo até 100% das ações. Como elas
captavam recursos no exterior a 6% ao ano contra até 48% cobrados das empresas
brasileiras, esta emenda representou a entrega das nossas riquezas do subsolo às
multinacionais. Até então elas só podiam deter o limite máximo de 50% do capital
das empresas de mineração. Mudou também o monopólio da navegação de cabotagem, o
que passou a permitir a entrada de embarcações estrangeiras nos nossos rios para
escoar as nossas riquezas, inclusive as do subsolo. Quebrou também o monopólio
das comunicações, entregando essa atividade estratégica para empresas
estrangeiras.
O governo acertou com as multinacionais que elas
construiriam 49 termelétricas, o que não foi cumprido. Assim, o país chegou a
condição caótica de estar à beira de um apagão. O que só não ocorreu por
patriotismo dos brasileiros.
Quebrou ainda o monopólio do gás canalizado, visando a entrega do seu domínio
para empresas detentoras de reservas na Bolívia, no Peru e na Argentina. A
Shell, por exemplo, descobriu o campo de Camisea, no Peru, com 400 bilhões de
metros cúbicos de reservas de gás, desde 1983 e não tinha consumidor para esse
gás. Na Bolívia, a francesa Total, a espanhola Repsol, as inglesas British Gas e
British Petroleum detinham cerca de 700 bilhões de m3 de reservas de gás e
também não tinham para quem vender. Na Argentina, Repsol, Total, British Gas e
Perez Company detinham reservas de 600 bilhões de m3 também sem mercado
consumidor.
Para criar mercado para essa massa de gás, era preciso construir um gasoduto
até o Rio Grande do Sul passando por Campinas - São Paulo. Como esse projeto
tinha uma Taxa Interna de Retorno muito baixa, cerca de 10% a/a, e um custo
financeiro de 12% a/a, nenhuma empresa estrangeira se prestou a construir o
gasoduto. Pressionado, o governo brasileiro impôs à Petrobrás a construção do
gasoduto, obrigando-a a retirar recursos da Bacia de Campos, onde a Taxa Interna
de Retorno era superior a 80% a/ano.
O Gasoduto foi o pior projeto da história de Petrobrás, além de,
estrategicamente, ser o pior para o Brasil. Pelo fato de que o único consumo
possível para o gás da Bolívia é através de geração elétrica a gás, o governo
contratou uma empresa inglesa, a Coopers And Librand, para dar respaldo e
avalizar essa decisão. A Coopers fez um relatório recomendando a opção por
geração termelétrica a gás. Abandonamos 15 projetos de geração por
hidroelétricas e voltamos todo o nosso esforço para a geração usando gás. O fato
é que o governo acertou com as multinacionais que elas construiriam 49
termelétricas, o que não foi cumprido. Assim, o País chegou à condição caótica
de estar à beira de um apagão. O que só não ocorreu por patriotismo dos
brasileiros.
Além disto, o projeto do gasoduto, da forma como foi feito, é,
estrategicamente falando, um desastre. Nós abrimos mão da soberania energética,
abandonamos uma energia limpa, renovável, produzida aqui, usando mão-de-obra e
equipamentos nacionais, em favor de uma energia poluente, importada, com o preço
em moeda forte e atrelado ao preço do petróleo internacional. Além do mais, o
gás é fornecido por um grupo de multinacionais, através do Monopólio Natural que
é o gasoduto. Sendo o Brasil o único mercado possível para a massa de gás que
nos cercava, era imprescindível uma negociação para recebermos o gás da Bolívia
em condições muito mais vantajosas. Poderíamos usar o gás nas horas de pico ou
quando houvesse estiagem e baixa nos níveis dos reservatórios. Mas não.
Compramos o gás com uma maldita cláusula "Take or pay", que nos obriga a usar o
gás na base da geração elétrica para evitarmos pagar sem utilizar. Passaremos de
uma matriz energética a mais limpa do mundo (95% geração hidrelétrica), para uma
matriz com mais de 20% de combustível poluente.
A quebra do monopólio e o desmonte da Petrobrás
Entre as 5 emendas à Constituição, no capítulo da Ordem Econômica, estava a
que mexia no artigo 177, que consagrava o Monopólio Estatal do Petróleo, única
forma de manter esse bem estratégico sob o controle dos brasileiros. Num
primeiro instante, o governo mexeu no parágrafo primeiro do artigo 177, criando
a brecha. Num segundo momento, remeteu o Projeto de Lei que regulamentaria a
mudança constitucional e que se transformou na Lei 9478. Nesta lei, existem
vários artigos que ferem a Constituição. Um deles, o artigo 26, fere o artigo
177 acima, que, mal ou bem, ainda mantém o monopólio. O artigo 26 diz que a
empresa concessionária que produzir o petróleo se torna proprietária dele, após
extraído, o que deixa com a União o "Monopólio da Rocha Vazia". O artigo 60 da
mesma lei permite a exportação desse petróleo. Nossas reservas, que hoje dariam
para abastecer o país por 40 anos, podem ser exauridas em menos de 10 anos.
Justamente quando o petróleo estiver disparando em preços, estaremos ficando sem
ele.
A lei do petróleo criou também a Agência Nacional do Petróleo, pretensamente
para regular o setor. Na prática, o que vimos foi o seu primeiro diretor, genro
do presidente da república, trabalhando o tempo todo para favorecer o cartel das
transnacionais em detrimento da Petrobrás (o pessoal do setor petróleo chegou a
apelidá-lo de Tiazinha: mascarado e bundão). A ANP vendeu áreas descobertas pela
Petrobrás por preços irrisórios e com tamanho 220 vezes maior do que as áreas
licitadas nos Estados Unidos, no Golfo do México. Enquanto dava 3 anos de prazo
à Petrobrás para produzir em águas profundas, sob pena de tomar dela as áreas
não exploradas, dava às transnacionais 8 anos de prazo. A ANP cedeu os dados
geológicos, que a Petrobrás obteve à custa de investimentos de mais de 50
bilhões de dólares na Bacia de Campos, para as empresas estrangeiras, de graça.
E muito mais.
Em 1999, para agilizar o processo de desmonte da empresa, o governo
substituiu o Conselho de Administração formado por 6 membros da casa e 3 de
fora, por 9 membros de fora, sendo eles representantes do sistema financeiro
internacional, privatistas e entreguistas. Alguns deles: José Pio Borges -
privatista, mais de 20 processos na presidência do BNDES por improbidade
administrativa; Henri Phillip Reischstul – sócio do Banco Interamerican Express,
especialista em desnacionalização de estatais; Francisco Gros – Diretor do Banco
Morgan Stanley desde 1993, veio para o Brasil em 1997, por ordem do Morgan, para
assessorar empresas americanas na compra de estatais brasileiras; Roberto Heiss
membro da banca internacional; Jorge Gerdau Johanpeter, dono de um grupo
internacional detentor de monopólio de aços finos no Brasil, foi o chefe do
lobby que levou os congressistas a desmantelar a Constituição. Na reta final das
votações, chegou a fretar um avião para levar os diretores e membros da FIERGS –
Federação das indústrias do Rio Grande do Sul para sentar ao lado dos deputados
e pressioná-los nas votações.
Em 1999, para agilizar o processo de desmonte da empresa,
o governo substituiu o Conselho de Administração formado por 6 membros da casa e
3 de fora, por 9 membros de fora, sendo eles representantes do sistema
financeiro internacional, privatistas e entreguistas.
Esse Conselho tem tomado providências drásticas no sentido de privatizar a
Petrobrás. O senhor Reischstul, como presidente, contratou a empresa americana
Arthur de Little, sem concorrência, para fazer o planejamento estratégico da
Petrobrás. Presidido pelo amigo de Reischstul, Paulo Absten, a Arthur de Little,
na verdade veio para ratificar as intenções desse Conselho. Entre outros,
podemos citar algumas atitudes perniciosas dele:
Divisão da Petrobrás em 40 Unidades de Negócio para, sob o artigo 64 inserido
na Lei do petróleo com essa finalidade, transformar essas unidades em
subsidiárias e privatizá-las. Vale acrescentar que, em 1991, a IBM aplicou esse
tipo de estrutura e teve um prejuízo de 4 bilhões, devido à concorrência interna
predatória, o mesmo acontecendo com a Britsh Petroleum;
Promoveu uma troca de ativos com a Repsol da Argentina, onde a Petrobrás deu
ativos avaliados pelo banco Morgan – o mesmo que Gros é diretor – em 500 milhões
de dólares e avaliados por nós em 2,1 bilhões de dólares, em troca de ativos
teoricamente no valor de 500 milhões de dólares que, dois dias depois, perderam
330 milhões de dólares, devido à desvalorização do peso, conforme declara o
próprio balanço da Petrobrás. O Sindipetro do Rio Grande do Sul, assessorado
pela AEPET, acaba de conseguir liminar na justiça sustando essa troca;
Adquiriu 58% das ações da empresa argentina Perez Companc, por 1,2 bilhão de
dólares, quando, segundo o jornal Valor Econômico, o balanço da própria empresa
avalia o seu patrimônio em 1,3 bilhão de dólares, mas diz que ela tem uma dívida
de 2,3 bilhões de dólares. Estudamos uma ação judicial contra a compra;
Tenta comprar uma refinaria nos EUA, a ORION, na Louisiana, que está para ser
fechada pelos moradores e ambientalistas, pela sua operação perigosa e
poluidora. Acionamos o Congresso sobre isto;
Criou um clima organizacional péssimo na empresa, que redundou na saída de 75
técnicos com nível de doutorado, matando a tecnologia própria;
Produziu 62 acidentes em 2,5 anos para uma série histórica de menos de um por
ano (17 acidentes de 1975 a 1998), incluindo o lamentável da P-36. Estamos
solicitando ao Ministério Público uma investigação desses acidentes em face da
forte suspeita de sabotagem. Depois de nossa denúncia nesse sentido no Senado os
acidentes cessaram, o que aumenta a suspeita;
Um dos artigos da Lei do Petróleo prevê que o governo pode deter apenas 50%
do capital votante. Não mais do capital total como previa a Lei 2004. Com isto,
o conselho já vendeu cerca de 32% do capital votante, 18% do capital total,
sendo a meta deles chegar à posição em que o governo detenha apenas 16,67% do
capital total (ou 50% do capital votante que, pela lei das SA, pode ser de
apenas 1/3 do capital total). Essa venda foi outro absurdo: considerando que o
artigo 26 acima citado dá às concessionárias a propriedade do petróleo que
produzirem, a Petrobrás se tornou proprietária das reservas de 19 bilhões de
barris. Se avaliarmos em 20 dólares/barril, teríamos, só de reservas, 380
bilhões de dólares. Juntando com os demais ativos, teríamos um ativo total de
cerca de 500 bilhões de dólares. Os 18%, cerca de 90 bilhões de dólares, foram
vendidos por 8 bilhões de reais! Na última assembléia dos acionistas, foi
delegado a esse conselho o direito de emitir ações preferenciais. Com isto eles
atingirão a meta citada, emitindo ações preferenciais até atingir 2/3 do capital
e vendê-las para o sistema financeiro, como já vêm fazendo.
A questão dos preços
A situação dos preços de derivados e do gás de cozinha mostra claramente como
o governo favorece as distribuidoras transnacionais:
As margens de distribuição no Brasil são as maiores do mundo. No caso da
gasolina, a Petrobrás recebe 14% do litro vendido ao consumidor. A distribuição
e revenda recebem 22%. Nos EUA a empresa que faz o mesmo que a Petrobrás recebe
65% enquanto o segmento distribuição/revenda recebe 7%;
No caso do gás de cozinha o absurdo se repete. Para um botijão de 13 kg
vendido a 26 reais a Petrobrás fica com 7,4 reais para remunerar a pesquisa a
lavra o transporte, o refino. A distribuição fica com 6,4 reais só para pegar o
gás na refinaria e entregar na revenda;
Na tentativa do governo de baixar os preços dos derivados em dez/2001, em
20%, visando o ano eleitoral, houve uma redução de apenas 11%. A Petrobrás
baixou 25% na refinaria. O governo reduziu só 17 dos seus impostos (CIDE); os
estados reduziram o ICMS em 12%; as distribuidoras aumentaram a sua margem em
7%!
No caso do gás de cozinha o caso é mais grave: sendo um combustível usado
pela população carente para cozinhar seus alimentos, não se justificava um
aumento de 58% de janeiro a julho/02. Com a polêmica na imprensa o governo
resolveu intervir. Determinou que a Petrobrás baixasse 12,4% na refinaria.
Esperava-se que essa redução chegasse ao consumidor. O que aconteceu? As
distribuidoras subiram as suas margens em 26% conforme constatado pela ANP. O
que fizeram o governo e a ANP contra esse absurdo? Nada. Declararam-se
impotentes para acionar as distribuidoras. "Desconfiaram que existe um cartel,
porque ouviram conversas telefônicas". Ora, qualquer pessoa sabe que o Sindicom
e o Sindigas são os sindicatos que defendem o cartel de combustíveis e de gás
respectivamente e são tão fortes que levaram o governo a mexer na Constituição
para quebrar os monopólios do petróleo e do gás.
Conclusão
Há uma enorme falácia na questão dos preços: na campanha pela quebra do
Monopólio Estatal do Petróleo, a grande justificativa era que a Petrobrás era
ineficiente e era necessária a vinda de empresas estrangeiras "mais eficientes"
para que houvesse redução dos preços. Agora, a mídia defende a tese de que é
necessária a elevação dos preços ao nível internacional para viabilizar a vinda
de concorrentes da Petrobrás. Onde está a tal eficiência baixadora dos preços?
Será que é bom para o País elevar seus preços para trazer empresas que remetem
lucro e empobrecem o Povo? Como justificar o nivelamento dos preços com o
mercado internacional se o salário mínimo nos países desenvolvidos é 800 dólares
enquanto no Brasil não chega a 80 dólares?
Como justificar o atrelamento dos preços ao dólar, se já produzimos mais de
80% do nosso consumo?
Fernando Siqueira é presidente da AEPET (Associação dos Engenheiros da
Petrobrá
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