É ASSIM QUE OS BRASILEIROS PENSAM QUE PODER DEFENDER SUA LIBERDADE, TERRITÓRIO, LAR?
13/08/2012
Sucateado,
Exército não teria como responder a guerra, dizem generais
Série de reportagens do G1 mostra situação de militares e
riscos ao país.
Plano para
reequipar tropas, assinado por Lula em 2008, pouco
avançou.
Tahiane
Stochero
Do
G1, em São
Paulo
Assinada
em 2008, a
Estratégia Nacional de Defesa (END) prevê o reaparelhamento das Forças Armadas
do país em busca de desenvolvimento e projeção internacional, mirando a
conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU). No entanto, poucas medidas previstas no decreto tiveram
avanços desde então.
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O
Exército, que possui o maior efetivo entre as três Forças (são 203,4 mil
militares), está em situação de sucateamento. Segundo relato de generais, há munição
disponível para cerca de uma hora de
guerra.
O
G1 publica, ao longo da semana, uma série de reportagens sobre a situação
do Exército brasileiro quatro anos após o decreto da END, assinado pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram ouvidos oficiais e praças das
mais diversas patentes - da ativa e da reserva -, além de historiadores,
professores e especialistas em segurança e defesa. O balanço mostra o que está
previsto e o que já foi feito em relação a fronteiras, defesa cibernética,
artilharia antiaérea, proteção da Amazônia, defesa de estruturas estratégicas,
ações de segurança pública, desenvolvimento de mísseis, atuação em missões de
paz, ações antiterrorismo, entre outros pontos considerados fundamentais pelos
militares.
O Exército usa o mesmo
fuzil, o FAL, fabricado pela empresa brasileira Imbel, há mais de 45
anos. Por motivos estratégicos, os militares não divulgam o total
de fuzis que possuem em seu estoque, mas mais de 120 mil
unidades teriam mais de 30 anos de uso.
Carros,
barcos e helicópteros são escassos nas bases militares. O índice de
obsolescência dos meios de comunicações ultrapassa 92% - sendo que mais de 87%
dos equipamentos nem podem mais ser usados, segundo documento do
Exército ao qual o G1 teve acesso. Até o início de 2012, as
fardas dos soldados recrutas eram importadas da China e desbotavam após poucas
lavadas.
A
Estratégia Nacional de Defesa elencou entre os pontos-chave a proteção da
Amazônia, o controle das fronteiras e o reaparelhamento da tropa, com o objetivo
de obter mobilidade e rapidez na resposta a qualquer risco. Defesa cibernética e
recuperação da artilharia antiaérea também estão entre os fatores de
preocupação.
Um centro de defesa contra ataques virtuais começou a ser
instalado pelo Exército em 2010, em Brasília, mas ainda é enxuto e não conseguiu impedir ataques a uma série de páginas do
governo durante a Rio+20, em junho deste ano.
O
Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), iniciativa que busca
vigiar mais de 17 mil quilômetros de divisas com 10 países, começará a ser
implantado ainda em 2012, com um teste na fronteira do Mato Grosso do Sul com
Paraguai e Bolívia.
Segundo o general Walmir Almada Schneider Filho, do
Estado-Maior do Exército, a Força criou 245 projetos para tentar atingir os
objetivos da Estratégia Nacional de Defesa. Ele afirma que os recursos, porém,
chegam aos poucos.
Nos
últimos 10 anos, a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) investido em
defesa gira em torno de 1,5%, segundo números do Ministério da Defesa - em 2011,
o valor foi de R$ 61,787 bilhões. Durante a crise econômica, entre 2003 e 2004,
o índice chegou a 1,43%. O maior percentual foi registrado em 2009, quando 1,62%
do PIB foram destinados para o setor.
Em
2012, o Exército receberá cerca de R$ 28,018 bilhões, mas 90% serão destinados
ao pagamento de pessoal. Desde 2004, varia entre 9% e 10% o montante disponível
para custos operacionais e investimentos.
A
ideia do ministro da Defesa, Celso Amorim, é elevar gradativamente os gastos com
defesa para a média dos demais países dos Brics (Rússia, Índia e China), que é
de 2,4%. Segundo afirmou em audiência no Senado, o objetivo é fazer o Brasil ter
maior peso no cenário internacional.
“Nós perdemos nossa capacidade operacional, sabemos dessa
defasagem. A obsolescência é grande.
Por isso, um dos nossos projetos busca a recuperação da capacidade operacional.
Até 2015, devemos receber R$ 10 bilhões só para isso”, afirma o general
Schneider Filho, responsável pelos estudos da END no Estado-Maior do
Exército.
Posso lhe afirmar que possuímos munição para menos de uma
hora de combate" General Maynard Santa Rosa
Falta
munição
Dois generais da alta cúpula, que passaram para a reserva
recentemente, afirmaram ao G1 que o Brasil não tem condições de reagir a
uma guerra. “Posso lhe afirmar que possuímos munição para menos de uma hora de
combate”, diz o general Maynard Marques de Santa Rosa, ex-secretário de
Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da
Defesa.
Guerreiro
de selva patrulha rio na Amazônia durante
ação militar em 2012 (Foto: Tahiane
Stochero/G1)
“A quantidade de munição que temos sempre foi a mínima.
Ela quase não existe, principalmente para pistolas e
fuzis. Nossa artilharia, carros de combate e grande
parte do armamento foram comprados nas décadas de 70,
80. Existe uma ideia errada de que não há ameaça. Mas
se ela surgir, não vai dar tempo de atingir a capacidade para reagir”, alerta o
general Carlos Alberto Pinto Silva, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres
(Coter), que coordena todas as tropas do país.
“Nos
últimos anos, o Exército só tem conseguido adquirir o mínimo de munição para a
instrução. Os
sistemas de guerra eletrônica (rádio, internet e celular), a artilharia e os
blindados são de geração tecnológica superada. Mais de 120 mil
fuzis têm mais de 30 anos de uso. Não há recursos de custeio
suficientes”, diz Santa Rosa. Ele deixou o Exército em
fevereiro de 2010, demitido por Lula após chamar a Comissão da Verdade, que
investiga casos de desaparecidos políticos na Ditadura, de “comissão da
calúnia”.
Nós perdemos nossa capacidade operacional, sabemos dessa
defasagem. A obsolescência é grande"
General Walmir Almada Schneider Filho
Segundo
o Livro Branco, documento que reúne dados sobre a defesa nacional, o Exército possui
71.791 veículos blindados, a maioria deles comprados há mais de 30
anos. Apenas um é do modelo novo, o Guarani, entregue em
2012 e que ainda está em avaliação.
Um contrato
inicial de R$ 41 milhões foi fechado para a aquisição dos primeiros 16 novos
carros de combate. No último dia 7, um novo contrato foi assinado para a
aquisição de outras 86 viaturas Guarani, ao custo de R$ 240 milhões.
"Nenhuma
nação pode abrir mão de ter um Exército forte, que se prepara intensivamente
para algo que espera que nunca ocorra. A população tem que entender que é
preciso ter essa capacidade ociosa, sempre, para estar pronto para dar uma
resposta se um dia for necessário", defende o general Fernando Vasconcellos
Pereira, diretor do Departamento de Educação e Cultura do
Exército.
Riscos
e ameaças
Para
saber quais equipamentos, tecnologias e armas precisam ser compradas e que
outras mudanças são necessárias, o Exército criou o Grupo Lins, que reúne uma
equipe para prever cenários de conflitos ou crises - internos ou externos - em
que a sociedade e os políticos possam exigir a atuação dos militares até
2030.
O
objetivo é antever problemas, sejam econômicos, sociais, de segurança pública ou
de calamidade, e saber quais treinamentos devem ser dados aos soldados até
lá.
Soldados
recrutas fazem teste de resistência em
treinamento no Exército (Foto:
Exército/Divulgação)
Nesses
cenários, a Amazônia e as fronteiras estão entre as maiores preocupações. O
texto revisado da Estratégia Nacional de Defesa, entregue pelo governo ao
Congresso Nacional em 17 de julho, destaca "a ameaça de forças militares
muito superiores na região amazônica”.
Difícil
– e necessário – é para um país que pouco trato teve com guerras convencer-se da
necessidade de defender-se para poder construir-se"
Trecho
da Estratégia Nacional de Defesa
Para
impedir qualquer ataque, o Exército prepara o Sistema Integrado de Monitoramento
de Fronteiras (Sisfron), que, através de um conjunto de sensores, radares e
câmeras, permitirá a visualização de tudo o que ocorre nas fronteiras em tempo
real. Os equipamentos facilitarão a repressão ao tráfico de drogas e armas, ao
contrabando e aos crimes ambientais. A previsão é de que o sistema esteja
totalmente operando em 2024.
O
alto valor que o governo pretende passar para o Sisfron - R$ 12 bilhões até 2030
– movimentou o mercado nacional e fez com que empresas se unissem buscando
soluções para vencer a licitação em andamento. Entre as
interessadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Embraer, que fizeram parcerias
com grandes indústrias do setor.
Para
o historiador e criador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Geraldo Cavanhari, o Exército está em
transformação e precisa se adequar para os inimigos do futuro. “O inimigo, seja
interno ou externo, agora está extremamente bem armado. Por enquanto, não temos
ameaças explícitas, mas temos que cuidar da nossa casa e estar preparados para
responder, caso seja necessário”.
O
general da reserva Carlos Alberto Pinto Silva diz que o problema continua sendo
o orçamento. "Um coronel argentino me disse que eles aprenderam na guerra nas
Malvinas que, se não existe a capacidade mínima de responder, não dá tempo para
adquirir. Não adianta chorar depois”, afirma.
Mudança
de percepção
Estudioso
da área, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ronaldo
Fiani entende que a abertura democrática e a criação do Mercosul provocaram
mudanças na forma da população conceber a proteção do país, Consequentemente,
foram feitos cortes nos investimentos militares. “O fim da ditadura e a união
dos países latinos fez com que houvesse enfoque em integração, com diminuição do
investimento na área militar", explica.
Burocracia, crises financeiras e
déficit fiscal também são entraves para maior disponibilidade de recursos. “A
única forma dos militares receberem mais investimentos é se integrando à
pesquisa acadêmica e às empresas, como ocorre nos países desenvolvidos", diz
Fiani.
General
José Carlos de Nardi cumprimenta índios
durante visita ao Pará (Foto: Tahiane
Stochero/G1)
O
general Walmir Almada Schneider Filho concorda com o professor. “No primeiro
mundo, o povo tem a mentalidade de que defesa e desenvolvimento caminham juntos
e complementam-se. Um impulsiona o outro. Nós não queremos chegar neste patamar
[de país voltado para a guerra], mas criar uma mentalidade de defesa, para que o
povo discuta o assunto", diz.
A
base da defesa nacional é a identificação da Nação com as Forças Armadas e das
Forças Armadas com a Nação. Isso exige que a Nação compreenda serem inseparáveis
as causas do desenvolvimento e da defesa"
Trecho
da Estratégia Nacional de Defesa
“Eu
acho que a redução dos investimentos tem relação com o período militar e a
própria mentalidade da população, que vê como melhor alternativa aplicar os
recursos em outro setor fundamental, como saúde, educação, etc", acrescenta
Schneider Filho.
"Não há um palmo sobre o território brasileiro que não
esteja sob a responsabilidade de uma tropa do Exército. Somos a organização mais
presente em todo o território e que tem meios de chegar o quanto antes em
qualquer situação. Por isso, assumimos cada vez mais responsabilidades e temos
que ter capacidade para atuar em situações de emergência”, diz o general José
Fernando Yasbech, também do Estado-Maior do Exército.
Yasbech
se refere aos múltiplos empregos do Exército em ações civis dentro do país, como
as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como a Constituição determina
o emprego militar em casos graves de segurança pública. Além disso, o militares
são convocados para o apoio em caso de enchentes, abertura de estradas,
construção de pontes, distribuição de ajuda humanitária, apoio em eleições,
combate à dengue e à aftosa, entre outros.
Proteger
Em 2012, mais uma
linha de atuação está sendo aberta: os militares serão responsáveis pela defesa
e proteção de infraestruturas estratégicas do país, como hidrelétricas, usinas
nucleares, indústrias essenciais e centros financeiros e de telecomunicações a
partir da criação do projeto Proteger. O programa terá
recursos na casa dos R$ 9,6 bilhões e reunirá órgãos públicos dos estados e
informações necessárias para prevenir, conter ou reprimir ataques ou acidentes
nesses locais.
Se
o Brasil quiser ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará estar preparado
para defender-se não somente das agressões, mas também das
ameaças"
Trecho
da Estratégia Nacional de Defesa
São mais de seis mil infraestruturas estratégicas existentes
no país, sendo que 364 estão entre as mais críticas,
conforme levantamento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da
Presidência da República.
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Pelotão
de fronteira no Pará conta com apenas 9
horas diárias de luz (Foto: Tahiane
Stochero/G1)
"O
trabalho será tanto no sentido de prevenir acidentes nessas estruturas como
também de identificar riscos e, eventualmente, contê-los", diz o general José
Fernando Yasbech, que responde pelo projeto.
O
trabalho começará no Paraná, com a implementação de um centro de ação conjunta
com polícia, Bombeiros e Defesa Civil para defender a Usina de Itaipu.
“O
reaparelhamento das Forças Armadas vai além de apenas dizer que um país
pacifista está tomando uma atitude de se tornar mais bélico. O emprego dos
militares tem sido bem diferente nos últimos anos, seja em ações de defesa
civil, de segurança pública, de apoio aos órgãos estaduais. E isso demanda
alterações estruturais profundas na política, na mentalidade da população e em
investimentos”, diz Iberê Pinheiro Filho, mestre em Relações
Internacionais e estudioso da Estratégia Nacional de
Defesa.
Procurado para comentar a atual situação do Exército, o
ex-ministro de Assuntos Estratégicos Roberto Mangabeira Unger, que escreveu o
texto da Estratégia Nacional de Defesa, disse que se considerava "moralmente
impedido de falar" devido à "relação íntima e especial com as ações e tarefas de
que tratará a reportagem".
"Direi
apenas o que escrevi na dedicatória de um livro que dei à biblioteca do
Exército, por mãos do general que a comanda: o Exército brasileiro é a mais
importante instituição do Brasil", afirmou Mangabeira Unger ao
G1.
Já
o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, que também assinou a END em 2008, disse
que não iria comentar a situação, pois não ocupa mais o
cargo.
Enviado por Paulo Ricardo da Rocha
Paiva